Jesus não nos abandonou! Esta é a máxima da lição desta semana. Como irmão e amigo, o Deus encarnado prometeu enviar outro semelhante, o Consolador, o qual estará conosco para sempre (Jo. 14.16). Suas palavras de despedida prospectam um horizonte que promove conforto e esperança: “Que o coração de vocês não se perturbe. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa do meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu teria dito que vou preparar um lugar para vocês? Quando eu for preparar lugar, voltarei e os levarei comigo, para que vocês estejam onde eu estiver” (Jo 14.1). Jesus não transformou apenas o presente dos discípulos, aos que permanecerem fiéis à sua palavra, ele prometeu um futuro abundante e frutífero (Jo. 15.5). Cabe a nós descobrirmos como permanecer ligado à Videira vivendo ainda neste mundo.
Quando eu tinha entre nove e dez anos, passei pelos momentos mais traumáticos de minha vida. Em minha família, mesmo com trabalho, nosso sustento oscilava conforme os desejos de meu pai. Foram muitos dias indo e vindo da Delegacia da Mulher; eu temia que minha mãe morresse a qualquer momento. Diante disso, minha maior — e possivelmente a única — alegria era fugir para igreja, me refugiar na casa de irmãos e participar do clube de Desbravadores. Quando meus tios paternos conseguiram um acordo judicial para retirar minha mãe, eu e meus irmãos da casa que havia sido construída por meu pai, foi a igreja quem nos acolheu e construiu para nós um novo teto. Nunca me esquecerei das lágrimas que escorreram no rosto do pastor João Batista enquanto minha mãe contava sua história a ele. Para mim, o Consolador descrito em João 14.16 realmente não nos deixou só.
Hoje sei que histórias como a minha, infelizmente, são corriqueiras entre milhares de brasileiros, algumas, inclusive, bem mais trágicas e dramáticas, cujo consolo não se encontra em canto algum. Como diria Edi Rock: “Às vezes eu fico pensando se Deus existe mesmo, morô? Porque meu povo já sofreu demais e continua sofrendo até hoje”.
O texto de João 14.1, e a própria lição desta semana, fazem sentido à consciência religiosa de nosso povo porque prometem ouvir nossa voz e transformar nossas ensanguentadas agruras num mundo mágico de Oz.
Permanecer em Cristo e guardar seus mandamentos, na maioria das vezes, é a única esperança que temos para conquistarmos a morada que o Mestre nos preparou, seja aqui e agora, ou no além vida com a ressurreição. É isso que nos mantém vivos e dispostos a trilhar diariamente nossas labutas. Não se trata de, como diz a lição, obter “a chave para o sucesso espiritual” apenas, trata-se do único baluarte que nos segura para continuar a existir neste mundo. O grande problema é que, sedentos por algo melhor, nosso acalorado espírito religioso pode nos direcionar para a manutenção da ordem e nos engajar numa batalha espiritual que em nada nos ajuda a produzir frutos. Todos nós, em alguma medida, já lutamos contra os inimigos errados sob a ilusão de sucesso. A lição desta semana exemplifica muito bem o caminho de uma batalha esdrúxula que não leva à mudança alguma, apenas nos sacia com a ilusão da prática de uma religião moralmente boa.
A lição orienta: “identifique e compartilhe algumas áreas nas quais as coisas seculares (o que João 17.15 e 16 descreve como ‘mundo’) influenciam sua vida de maneira intensa. Pense em maneiras de minimizar essa influência”. Lendo isso lembrei que durante o ensino médio decidi apagar todas as músicas seculares do meu celular, pois, como propõe a lição, acreditava que isso poderia afetar minha vida espiritual de alguma forma. Contudo, quando cheguei na faculdade percebi que minhas práticas religiosas estavam sendo interrompidas não por uma força espiritual maligna que entrava pelos meus ouvidos através das músicas seculares, mas pelo excesso de trabalho que eu tinha enquanto bolsista e estudante. Me esforcei ao máximo para continuar levantando de madrugada para ler a Bíblia e a lição da escola sabatina mesmo tendo que ir dormir depois da meia-noite, mas, com o tempo, fui vencido pela canseira. Talvez eu estivesse dominado por um feitiço maligno chamado trabalho. Me lembro de ouvir a seguinte frase do meu colega de quarto: “eu só queria ter mais tempo para ler a minha Bíblia”.
Jesus não orou pedindo para que saíssemos do mundo, mas para que fôssemos guardados do mal (Jo. 17.15). Quantos neste século não morrem tendo como motivo o mal que o trabalho lhes causa? Seja de fome pela falta, ou de suicídio pelo excesso, o trabalho como ainda o conhecemos nos impede de permanecer em unidade com Cristo através das práticas que gostaríamos. O mundo em que estamos nos exige trabalhar para sobreviver, mas para conectar-se a Cristo necessitamos cessar o trabalho (Êx. 20.8-11); talvez seja por isso que o mundo nos odeia (Jo. 17.14).
Todos almejamos morar na casa que o Mestre prometeu nos preparar, ainda mais para quem mora de aluguel neste mundo. Porém, a esperança que a religião proporciona não pode nos cegar os olhos frente aos verdadeiros inimigos que temos neste mundo. Nosso alvo não é praticar uma religião boa para ordem estabelecida no presente século, isso faziam os fariseus acolhidos por Roma, devemos lutar contra os principados e potestades do Império que impedem nosso povo de permanecer em Cristo.