Um dos principais argumentos que os meios de comunicação oficiais da IASD têm procurado transmitir nesta guerra é o de que Jesus veio para nos salvar do pecado, e não dos problemas sociais ou políticos que enfrentamos. Quando a guerra cultural adventista não investe um ataque ao que se acostumou chamar de pós-modernidade, ela se volta contra o que tem se sido pejorativamente nomeado como o evangelho social dos cristão progressistas — e este parece ser o ponto chave da lição desta semana. Entretanto, a tática de propaganda que a instituição utiliza é tão sutil que ela consegue afirmar seus pressupostos sem dizê-los diretamente. Isso porque ela sabe que ao propor certos argumentos se traz à tona temas centrais na disputa pela identidade adventista. Por exemplo, a lição diz:
“No Éden, Deus introduziu o primeiro altar no qual os animais seriam sacrificados em lugar do pecador, para fazer expiação por ele. O conceito de expiação substitutiva mais tarde se tornou o fundamento de todo o sistema do santuário. O altar do Éden, que deu origem às roupas de Adão e Eva, antecipava a morte de Jesus no altar da cruz — um sacrifício que deu a cada um de nós o manto de justiça de Cristo.”
Percebe como ela consegue enfatizar o caráter teológico da morte de Jesus esquivando-se de possíveis significados políticos sem ao menos citar este argumento? Ao conectar a morte de Cristo com o pecado original e com os sacrifícios que eram feitos no santuário, a lição se apoia numa estrutura de sentido que justifica a razão pela qual morreu nosso Mestre. “Um sacrifício que deu a cada um de nós o manto de justiça de Cristo.” Não se trata de uma afirmação avulsa: “Cristo morreu por você”, ou “Jesus te ama”. Mas de uma argumentação fundamentada numa estrutura teológica de sentido; trata-se de um “castelo de cartas” com causa e efeito. Adão e Eva nos colocaram no pecado e Jesus, através de sua morte, nos resgatou. Há que se reconhecer o mérito da instituição nesta guerra, pois sua argumentação é muito mais coesa de um ponto de vista teológico do que nossas argumentações avulsas, e talvez seja por isso que as justificativas propagandeadas pela instituição sejam acatadas em maior número do que as palavras boazinhas que soltamos ao vento.
Como já mencionei algumas vezes, não me interessa problematizar o “castelo de cartas” em si, isto é, a estrutura teológica de sentido em que a lição se fundamenta. Me interessa questionar a direção que ela propõe a nós.
Tenho muita dificuldade em compreender o evangelho espiritualista calcado num conto de fadas que a instituição tem apregoado nos últimos anos. Com este termo e ironia me refiro à tentativa antibíblica de separar o evangelho da realidade concreta e material que o acompanha. Fico pensando na situação de Moisés enquanto libertador. Imagine que ele tenha chegado ao povo, o qual vivia sobre o duro jugo de faraó (Êx 1.8-14), e tenha dito: “Meus queridos irmãos, Deus me escolheu para libertá-los!” Com isso, logo após o povo dar graças a Deus e exultar pela tão aguardada libertação, Moisés acrescenta: “mas a libertação que Jeová nos dará é a espiritual”; ou seja, o povo continuaria sendo escravizado e humilhado diariamente pelos egípcios. Será este o Deus da Bíblia? Ou melhor, quando a Bíblia se refere ao pecado, ela reparte a realidade entre matéria e espírito? Aprendi desde criança, enquanto adventista de berço, que isso é uma visão equivocada sobre o mundo que vivemos. Se, conforme acreditamos, matéria e espírito são indivisíveis, por que somos persuadidos a crer que Jesus morreu apenas para nos salvar espiritualmente? Faz sentido acreditar que Jeová se importava com a opressão do povo no Egito, mas não se importa hoje com as Marias que vivem há décadas na escala 6x1 recebendo salários miseráveis Brasil afora? Este é um ponto muito contraditório para mim.
A lição nos incentiva a praticar uma religião contemplativa, como se fôssemos hippies vivendo de fotossíntese. Ela diz: “quando reservamos um tempo para pensar em nossa devoção ao Senhor e fazemos planos para nos encontrarmos com ele, montamos um altar que revela quem Ele é”. Que tempo tem dona Maria para fazer planos e se dedicar mais ao altar de Deus se, quando não está trabalhando no cuidado de seus filhos, está trabalhando para seu patrão? E quando não está trabalhando para seu patrão, está à caminho do trabalho num busão lotado? Isso porque nem consideramos que dona Maria possa estar desempregada. É fácil dizer que precisamos reservar um tempo quando tempo é o que não nos falta. Contudo, a maior hipocrisia propagandeada pelos meios de comunicação adventistas nesta guerra é exigir que o povo tenha tempo para Deus e se posicionar contra todas as possibilidades políticas que podem, justamente, dar o que o povo mais precisa: tempo de descanso e lazer com remuneração. Quantas celebridades oficiais do adventismo você viu se posicionarem pelo fim da escala 6x1 para que o povo possa comparecer perante o altar de Deus? Infames lacaios, é o que são.
Não precisamos meditar muito para contemplarmos a face de Deus, as Escrituras são muito claras sobre que face tem nosso Mestre: “sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25.40). “A religião pura e sem mácula […] é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1.27). Me parece que a burocracia adventista está lambuzada na imundície deste mundo, cujo deus tem sido a opressão dos pobres e necessitados. A cultura religiosa na qual crescemos ama falar sobre a fidelidade de Jó, mas quando afirmamos que ele era um homem “íntegro e reto” (Jó 1.1) justamente porque defendia a causa dos oprimidos (Jó 29.12-17), ela não demora muito para imputar sobre nós a acusação de pregar um evangelho com motivações político-ideológicas, o evangelho social. Isso não é o evangelho social, este é o evangelho! E sim, ele é político, pois a libertação do Egito foi tão espiritual quanto política; afinal, que Deus seria Jeová para libertar a alma dos hebreus e manter seus corpos cativos a faraó?
Longe de querer defender uma fé pelas obras em favor dos pobres — causa que muitos instrumentalizam por aí de maneira oportunista — acredito que a libertação ocorre sim pela graça de nosso Pai, mas a libertação defendida pelas Escrituras nada tem a ver com a dissimulação que a lição apresenta. Jesus certamente morreu para nos libertar do pecado, o que não significa nos salvar apenas espiritualmente, mas, sobretudo, do duro jugo deste infeliz sistema que nos explora.
“Do que você está disposto a abrir mão por Deus? Que atitude ou pensamento você está disposto a mudar para obedecer ao Senhor? Altares são lugares de sacrifício. Algo precisa morrer se desejamos viver em comunhão íntima com Deus.”
Ao ler estes últimos questionamento na lição desta semana lembrei do convite que Jesus fez ao jovem rico: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois vem e me segue” (Mt 19.21). Este foi o sacrifício exigido pelo Mestre para que o jovem pudesse viver em comunhão, mas ele não estava disposto a seguir o evangelho. Também me lembrei de um famoso hino dos Arautos do Rei: “Se ele não for o primeiro”. Como você deve saber: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas”. De fato, como diz a lição, “algo precisa morrer se desejamos viver em comunhão íntima com Deus”.
Essa visão de um Evangelho pouco prático e muito mais voltado para o "mundo das ideias" já pareceu dar as caras desde a introdução do tema na página 5.
No último parágrafo mostram dados "preocupantes" e termina questionando como pessoas que não se envolvem na adoração diária podem falar sobre adoração. Mas adoração, para a Lição, se resume em culto familiar e vida devocional kkkkkkkk...